Andrés Segovia
Pouquíssimas vezes podemos afirmar em toda a história da música que somente uma pessoa tenha impulsionado um instrumento até o ponto de resultar no desenvolvimento decisivo do mesmo.
Segóvia, aliás, enobreceu o violão, um instrumento mal visto no mundo da música séria e que quase não se cultivava dentro dele – estava mais limitado ao campo da música popular e do flamengo, e confinado portanto em festas e tavernas – convertendo-o em respeitável todas as partes, habitual e até imprescindível nos conservatórios e escolas de música do mundo inteiro. E, não bastando, impulsionou decisivamente a composição de peças pensadas expressamente para o violão, cuja literatura era muito escassa: Castelnuovo-Tedesco, Falla, Hindemith, Ibert, Jolivet, F. Martin, Milhaud, Moreno Torroba, Ponce, Rodrigo, Roussel, Tansman, Turina e Villa-Lobos são alguns dos grandes compositores que escreveram, graças ao estimulo de Segóvia, para o violão. Além disso, Segóvia transcreveu para o violão uma grande quantidade de obras compostas originalmente para alaúde, cravo e inclusive para piano (páginas de Chopin, Mendelssohn, Brahms, Grieg, Granados, Albéniz, Acriabin, Debussy, etc.).
Andrés Segóvia nasceu em Linares (Jaén) em 21 de fevereiro de 1893. Aos 5 anos teve a ocasião de escutar pela primeira vez um violão, tocado por um músico flamengo; a primeira impressão que lhe produziu – ele mesmo contou – em um tosco rasgueado foi desagradável, mas logo seu canto o seduziu irremediavelmente. Em seus anos mais maduros, Segóvia afirmou:“Me gusta mucho el flamenco auténtico, que se toca con dedos fuertes, con brusquedad, pero desde dentro del alma”, sin embargo, “la guitarra clásica y la flamenca son caras opuestas de la misma montaña, pero nunca se encuentram”. Horrorizada, sua familia, frente à forte inclinação que o garoto sentia por um instrumento tão “vulgar”, tentaram desviar sua atenção para o violino, o violoncelo ou o piano, mas tudo foi inútil. Aos 10 anos, e com a oposição familiar, mas com a absoluta determinação que sempre o caracterizaria, comprou seu primeiro violão e recebeu as primeiras lições: fora do Conservatório de Granada onde aprendia teoria musical, já que ali não se ensinava o violão. Lições que forçosamente foram muito breves, pois o pouco que podiam ensinar-lhe o aprendeu em poucas semanas. Assim, para seu bem, se viu forçado a ser autodidata, e conforme ele mesmo ressaltou, “no hubo serias desavenencias entre profesor y alumno”. O único grande guitarrista que pode aprender algo diretamente, quando sua personalidade já estava bem formada, foi Miguel Llobet, discípulo de Tárrega.
Em pouco tempo, Segóvia desenvolveu uma técnica incomparável; aos 16 anos deu seu primeiro recital em Granada, com tão grande êxito que pode apresentar-se sucessivamente em outras cidades espanholas, culminando o ano de 1912 em Madrid, e levando-o em 1916 a um giro pela América do Sul. Sua apresentação em Paris, em 1924, graças ao apoio de Pablo Casals, causou verdadeira sensação, inclusive nos assistentes tão ilustres e exigentes como Paul Dukas e Manuel de Falla: assombraram, sobretudo, suas reveladores interpretações de Bach (transcrições feitas por ele mesmo), um patriarca da música, embora até então não suficientemente conhecido. E o fizeram enveredar pelo amplíssimo campo do repertório barroco que potencialmente se abria para o violão, o que foi se tornando uma realidade nos anos seguintes. Nesse mesmo ano tocou pela primeira vez em Londres, logo por toda a Europa – Rússia incluída – e em 1928 fez sua estréia nos Estados Unidos. Os triunfos foram sucedendo-se e sua fama se estendeu por todo o mundo. Em 1927 gravou em Londres seus primeiros discos – o primeiro violonista clássico que o fazia. Exatamente 50 anos depois gravaria em Madrid os últimos. cultivava o repertório, em boa parta esquecido, de seus predecessores espanhóis, virtuosos do violão de celebridade efêmera, e acertou em absorver suas técnicas, até então irreconciliáveis: Dionísio Aguado usava somente as unhas da mão direita, enquanto que Fernando Sor e Francisco Tárrega a ponta dos dedos. Segóvia compreendeu que, para obter toda a gama de sonoridades que o violão escondia, não podia limitar-se a uma ou a outra, senão combina-las. Assim, a riqueza de seu som, “de ferro e de veludo”, como foi descrito, e com todos os graus e tonalidade de cor entre um e outro, foi algo sem precedentes…e é preciso reconhecer que nenhum de seus discípulos ou seguidores tem conseguido iguala-se neste aspecto.
Para a plena realização deste alcançe, também compreendeu Segóvia que seria preciso trabalhar estreitamente com os mais competentes construtores de violão (como Ramirez e Hauser), estimulando-lhes e aconselhando-lhes até conseguir violões capazes de uma maior suavidade ao invés de uma voz rotunda. A partir da Segunda Guerra Mundial, aprovou o uso, adotanto ele mesmo, das cordas de nylon. Em seus inumeráveis recitais ao longo de todos os continentes, Segovia tocava não somente em salas reduzidas, mas também em grandes auditórios, nos quais conseguia um clima de recolhimento e atenção que foi batizado como “o silêncio Segovia”.
Mas sempre se negou a amplificar seu som; em realidade, e diferentemente de outros, não necessitava. “La guitarra no suena poco, sino lejos”, costumava dizer.
Seu primeiro casamento foi com Paquita Madriguera, pianista discipula de Granados, tiveram dois filhos, Andrés e Beatriz. Mais de meio século depois, aos 77 anos de idade, Segovia engendrou seu terceiro filho, Carlos Andrés, com sua segunda esposa, Emilia del Corral. Em 3 de junho de 1987, Andrés Segóvia morria em Madrid depois de ter conseguido do mundo musical um reconhecimento tão alto e tão unanime como muito poucas vezes alguem tenha obtido. Basta somente um testemunho, de um dos maiores violinistas da primeira metade do século 20. Fritz Kreisler, quem afirmou que no século XX soube somente de dois interpretés verdadeiramente grandes, Pablo Casals e Andrés Segóvia (ambos espanhóis, curiosamente). De uma lucidez fora do comum até os seus últimos anos, Segovia continuou até o final ativo como concertista – sua última aparição publica foi em Miami, na primavera de 1978 (78 anos dando concertos) – e como pedagogo: as últimas aulas que ministrou foram em Nova York somente 3 meses antes de morrer. Quando, em uma ocasião, um amigo lhe perguntou porque não diminuia sua intensa atividade em uma idade tão avançada, respondeu: “Terei toda uma eternidade para descansar…” Distantes de terem perdido sua referencia depois de seu desaparecimento, permanece viva e extraordinariamente ativa em seus discípulos – Laurindo Almeida, Siegfried Behrend, Ernesto Bitetti, Carlos Bonell, Julian Bream, Leo Brouwer, Alirio Díaz, Eduardo Fernándz, Eliot Fisk, Oscar Ghiglia, Sharon Isbin, Alexandre Lagoya, Christopher Parkening, Ida Presti, Konrad Ragossnig, Pepe e Ángel Romero, John Williams, Kazukito Yamashita, Narciso Yepes… – e indiretos todos os demais, pois não há violonista clássico que não parta dele; inclusive no campo da música “ligeira” não lhe faltam alunos triunfantes como Chet Atkins e Charlie Byrd; até os Beatles disseram uma vez que “Segovia foi nosso papa”. O inquestionável é que, graças a Segovia, o violão é hoje um instrumento popular e respeitado em todo o mundo.